[Resenha] Penitência - Kanae Minato

4 de março de 2024

Hey pessoal!
Este tem sido um ano de boas leituras, o que tem me deixado otimista ao ponto de desencalhar algumas histórias que estão na estante há tempo demais. Tenho Penitência desde que foi publicado aqui no Brasil e já havia tentado lê-lo em uma outra oportunidade mas a leitura não havia evoluído como eu gostaria, então eu adiei a experiência por uns cinco anos. E provando por A + B que sim, existe tempo certo pra tudo, eu finalmente pude me render a trama deste livro. A narrativa que não funcionou pra mim antes, me fez completamente cativa agora, a escrita de Kanae Minato é detalhista e até um pouco desinteressante no início, contudo passado a fase introdutória, cada informação descrita tem seu grau de relevância ampliado. Ao mesmo tempo em que eu precisava descobrir tudo sobre o crime principal, também me vi completamente absorta pelas vidas das quatro testemunhas. E o último capítulo soou para como um bônus, a resposta para a maioria dos meus questionamentos vinda diretamente da fonte. Este foi o primeiro livro da Kanae que li, mas sem sombra de dúvidas não será o último.

Penitência (Shokuzai) 
Autor (a): Kanae Minato @KMinato
Publicação: Gutenberg *Cortesia
ISBN: 9788582356074 | Skoob
Gênero: Mistério +18
Ano: 2019
Páginas: 192
Minha avaliação: 4/5★
Um arrepiante suspense psicológico sobre a vida de quatro mulheres, unidas para sempre por um dia terrível em sua infância. Quinze anos atrás, uma menina de 10 anos foi assassinada em uma pacata cidade do interior do Japão. Quatro garotas que estavam com a vítima pouco antes de ela ser morta falaram com o suspeito, mas, por algum motivo, nenhuma delas conseguia se lembrar do rosto dele, e o caso foi arquivado. A mãe, inconformada com a perda da filha, queria vingança, e ameaçou as garotas: “Eu nunca vou perdoar vocês. Façam o que for preciso para encontrar esse assassino. Se não conseguirem, cada uma terá que pagar uma penitência”. Mesmo com esse fardo sobre os ombros, as protagonistas, Sae, Maki, Akiko e Yuka, conseguem chegar à vida adulta. Mas uma série de tragédias as espera.

Não me recordo de já ter lido qualquer outro livro ambientado no Japão. Sempre vejo desafios literários que instigam o leitor a se aventurar por histórias de outras nacionalidades, mas confesso que quando escolho uma leitura, saber onde se passa é o último dos fatores que busco analisar. Minha experiência com Penitência, me fez absorver melhor a importância e o privilégio de poder conhecer tramas como esta. Estamos tão acostumados com arcos que se desenvolvem nos EUA e no Brasil, que pouco ou nada sabemos a respeito da enorme carga cultural que compõem as obras que se passam em outros países. Kanae Minato, tem uma escrita clara que transpira raízes e tradições, fui completamente absorvida pelo cenário descrito e me senti parte daquela região rural, daquele "lugar onde o ar brilha de tão limpo". Também me peguei pesquisando sobre as bonecas francesas, querendo visualizar melhor este símbolo de status tão notável, além disso, não pude deixar de me maravilhar pelas discrepâncias de comportamento, pensamentos e modo de agir dos moradores do interior em relação aos moradores da capital. Óbvio que tais diferenças são comuns em todo lugar, mas nesta história específica, me senti no melhor de dois mundos.

Este livro contém assuntos sensíveis/gatilhos: violência, pedofilia, abusos físicos e psicológico, é indicado para leitores +18.

Sae, Maki, Akiko e Yuka, experimentaram uma infância livre e repleta de aventuras em uma cidadezinha pacata no interior do Japão. Um lugar tão seguro que nem mesmo a abordagem de um estranho foi capaz de perturbar a tranquilidade de cinco crianças que brincavam sozinhas, ao contrário disso, quando o homem vestindo um uniforme que elas não conheciam, pediu ajuda para checar os ventiladores dos vestiários, todas desejaram desempenhar aquela tarefa, contudo Emily foi a escolhida. A garotinha recém chegada, vinda de Tóquio, parecia alcançar com facilidade tudo o que as outras desejavam e vê-la ser levada pelo desconhecido alimentou o ciúme que as quatro amigas já nutriam em silêncio. Horas mais tarde, no entanto, quando as meninas se depararam com o corpo sem vida de Emily, elas souberam que, naquela ocasião, ser escolhida foi uma sentença cruel da qual escaparam. O trauma por terem testemunhado a morte da amiga ganhou ênfase quando Asako, mãe de Emily, cega pela dor, as culpou e exigiu que descobrissem a identidade do assassino, caso contrário deveriam pagar uma penitência, dessa forma infligindo a elas um fardo que mudou completamente o rumo de suas vidas.

Embora Sae, Maki, Akiko e Yuka tenham crescido juntas na mesma cidade, já na infância elas possuíam identidades bem definidas, suas vivências eram parecidas mas também únicas, e todas possuíam sonhos e desejos igualmente particulares. Dito isso, não é nenhuma surpresa o fato de que cada uma lidou a sua maneira com o sofrimento que lhes abateu após a morte de Emily. Enquanto Sae se tronou prisioneira do medo, Mika, akiko e Yuka levaram suas vidas em modo stand-by, aguardando inconscientemente o momento certo de pagar suas penitências. Marcadas pela tragédia de Emily, as quatro agora já não tão amigas, fizeram escolhas importantes com intuito de fazer jus a exigência de Asako, elas sentiam verdadeiramente que precisavam compensar de alguma forma pela vida que foi perdida precocemente. Sendo assim, Sae casou-se, e ao descobrir que o marido era um maníaco que a via apenas como um objeto, se submeteu. Maki, tornou-se professora mesmo quando ela claramente não tinha qualquer interesse na profissão, sua penitência auto imposta consistia em estar lá para aquelas crianças como ela não pode estar para Emily. Akiko, se encolheu e atrofiou pouco a pouco dentro de um casulo que deveria mantê-la escondida dos horrores do mundo. E Yuka, correu todos os riscos possíveis, na busca incessante por ser e ter qualquer coisa, se tornou o retrato vivo da imprudência. Este é o início da jornada que viria a transformar aquelas quatro meninas, em quatro mulheres. Em quatro assassinas.

Penitência, possui uma trama densa, crua e perturbadora. Indo além do suspense que envolve a morte de Emily e as consequências drásticas que acometeram as vidas das quatro testemunhas, temos um retrato vívido de uma cultura rígida e inflexível. Então podemos dizer que o enredo se sustenta graças a um conjunto de situações desfavoráveis. Talvez a maldição que Asako lançou não houvesse alcançado as garotas tão profundamente caso elas pudessem contar com um apoio familiar mais consistente. O assassinato de Emily e as palavras de Asako, geraram uma tensão psicológica que encontrou um terreno fértil, previamente preparado, e com facilidade fincou profundamente suas raízes. As meninas tiveram seu emocional trucidado, e nem o tempo foi capaz de amenizar os danos. Kanae possui uma narrativa simples mas poderosa, capaz de incomodar na mesma medida em que nos deixa sedentos por mais. Embora a trama central tenha, a certa altura se encaixado, confesso que o desfecho me deixou incrédula. A motivação do assassino é doentia e reflete o que de fato é, a ação de um monstro. Difícil de prever e certamente impossível de compreender.

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