Sociedade das Relíquias Literárias (#32) O Abraço Gélido - Mary E. Braddon

8 de novembro de 2025

Hello peoples!
Quem me acompanha sabe muito bem que quando o assunto é cumprir metas, eu sou uma negação. No inicio deste ano decidi que leria pelo menos três contos do Clube do Livro Sociedade das Relíquias Literárias, mas falhei miseravelmente nesta missão. Em minha defesa, preciso deixar registrado que este foi um ano de grandes mudanças e de muitas demandas, ando tão exausta que a única coisa que desejo verdadeiramente, é poder dormir sem hora pra acordar. Quem disse que é fácil ser adulto? Agora deixando o chororô de lado, eis que finalmente estou de volta com mais uma trama de tirar o fôlego. Li alguns contos nos últimos meses dos quais não consegui falar pura e simplesmente porque senti não ter entendido de fato suas histórias. O Abraço Gélido, no entanto, é claro como a água cristalina. Mary E. Braddon, transmite sua mensagem com tranquilidade e ainda deixa possibilidades de interpretação em aberto para os mais céticos e teimosos.

O Abraço Gélido (The Cold Embrace)
Autor (a): Mary E. Braddon
Publicação: Wish
ISBN: 9788567566528 | Skoob
Gênero: Suspense / Conto
Ano: 2022
Páginas: 29
Minha avaliação: 5/5★
Um jovem artista secretamente pede a mão de Gertrude em casamento e parte para a Itália. No entanto, ele não está disposto a honrar com seu compromisso e terá que lidar com as consequências. O Abraço Gélido é uma história que desafia os estereótipos de gênero da época ao trazer, ao mesmo tempo, uma mocinha apaixonada e inocente e uma vilã implacável.

Sou leitora há pelo menos duas décadas e ao longo deste tempo alimentei muitas inseguranças em relação aos clássicos. O medo irracional de não entender a mensagem ganhou força quando esbarrei com dois ou três contos desta coleção aos quais eu de fato não assimilei muito bem. Então me deparar com a escrita clara e de fácil compreensão da Mary E. Braddon, me confortou enormemente. De modo geral, O abraço Gélido é uma história simples, previsível e aparentemente rasa, mas se pararmos pra olhar além da superfície encontramos uma infinidade de questionamentos interessantes que nos levam a desejar lê-lo uma segunda, terceira, e quiçá uma quarta vez. Confesso que minha natureza vingativa me fez vibrar com o desfecho, contudo, entretanto, todavia, após pensar um pouco mais em como tudo se mostrou, minha satisfação infantil deu lugar ao pesar. A apresentação nos induz a crer que Gertrude se revela uma "vilã implacável" e que o jovem artista não passa de um homem egoísta e indiferente, mas eu tenho lá minhas dúvidas

Ilustração de Cecília Reis

Um jovem artista se descobre apaixonado por sua prima Gertrude, e juntos vivem uma relação secreta, uma vez que o pai da moça, seu tio Wilhelm, planeja casá-la com um homem rico. O namoro escondido dá lugar a um noivado, e tudo parecia ir bem dentro das possibilidades, até que o rapaz com o intuito de alcançar fama, parte a trabalho em uma viagem para Itália. A distância não demora muito a cobrar seu preço, enquanto o artista se descobre deslumbrado por sua nova vida e se esquece completamente do amor fugaz que outrora partilhou com a prima, Gertrude tenta incansavelmente manter contato com o amado. Após meses de cartas enviadas, respostas não obtidas e a iminência de um casamento indesejado, a garota comete suicídio. A satisfação que o jovem experimentou ao saber que Gertrude, que veio a tornar-se um incômodo e uma ameaça a plenitude da sua recém descoberta liberdade, estava prestes a ser forçada a casar-se, ganha novos contornos quando ele retorna para sua cidade natal e se depara com seu corpo recém retirado do rio. Enquanto tenta se convencer de que a morte da moça não lhe afetou de nenhuma forma, ele se vê envolvido por um abraço frio e palpável sempre que está sozinho

Os braços frios da prima morta estão em volta de seu pescoço... As mãos molhadas da prima morta estão fechadas em seu peito. Ele imagina se está louco.

Decidido a não sentir novamente o toque dos braços frios ao redor do pescoço, o rapaz faz tudo o que pode para estar sempre acompanhado. Contudo, não demora muito para que ele perceba que está travando uma batalha perdida, a presença sombria o acompanha por onde quer que vá. Admito que o cenário desfavorável que pouco a pouco aprecia consumir a sanidade do artista, não despertou minha solidariedade. Embora eu possa compreender que ele foi guiado pela impulsividade da juventude e tenha se deixado deslumbrar por uma liberdade jamais experimentada, não existe de sua parte uma reavaliação decisões. Em nenhum momento é posto em pauta que o tormento que lhe assolou é consequência de sua traição ao amor de Gertrude. Não há qualquer arrependimento de sua parte, por ter iludido e abandonado a prima, mesmo sabendo que a desilusão que ele causou lhe custou a vida. O fato do rapaz estar mais preocupado em se livrar das consequências de seus atos do que reconhecer suas más ações, só reforçam seu egoísmo.

O abraço gélido possui uma narrativa aprisionadora. Mary E. Braddon trás personagens com características e personalidades bem definidas. Enquanto Gertrude se apresenta ingênua e apaixonada e posteriormente obcecada e vingativa, o jovem primo é tipicamente impulsivo e inconsequente, além de egocêntrico. A relação dos dois é construída nos moldes da época vitoriana, um romance jovem cheio de expectativas e promessas não cumpridas. Admito que apesar de entender o contexto da obra, não consegui me comover com a situação da garota, certamente sua inexperiência justifica ela ter ignorado incansavelmente todos os sinais óbvios de que seu amado não passava de um canalha irresponsável, ainda assim me vi mais frustrada que solidária com toda a entrega e devoção que ela demonstrou ter por ele. No que diz respeito a presença perturbadora que passa a assombrar o rapaz, acredito que pode ser vista tanto como um espectro sobrenatural, como sinais claros da insanidade desencadeada por um possível, porém improvável, sentimento de culpa. Em suma, esta é uma história curta que pode ser lida em poucos minutos mas que nos enche de questionamentos que permanecem.

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